Imagem: Christian Schloe

 


“Em nosso mundo moderno, conquistamos a liberdade sexual. Agora vem o problema muito mais difícil — a liberação do coração.” Marie-Louise von Franz


 

Entrevistador: Dra. von Franz, os poetas e os filósofos procuram desde há muito definir o amor de mil modos diferentes. Apesar de ter-se recusado terminantemente a definir o amor numa conversa anterior, creio que sua expressão “liberação do coração” é exatamente isso — uma definição do amor. 

MLvF: Bem, como o sentimento é minha função inferior tenho uma certa dificuldade para elaborar a questão. A função sentimento está sendo completamente negligenciada em nossos dias. Em geral, a identificamos com afeto e emoção, mas isso é apenas sentimento inferior. Por exemplo, os jovens em seus concertos de rock liberam os sentimentos, mas estes surgem como fortes emoções, amar a todos ou destruir tudo. O sentimento é derramado por toda parte, não tem uma orientação individual.

O sentimento diferenciado, pelo contrário, é amar uma pessoa única justamente porque é única. É difícil, porque isso pressupõe que você seja capaz de perceber a singularidade do outro e se livrar de julgamentos psicológicos esquemáticos.

Em última análise, trata-se de algo irracional que tem a ver com o próprio desenvolvimento. Quanto mais nos tornamos um indivíduo único, mais nos individuamos no sentido junguiano do termo, mais somos capazes de ver o outro como um ser único, sem juízos estereotipados. Se você notar como as pessoas falam da vida alheia, muito do que é dito é um clichê que não capta a singularidade do próximo, não a define.

Portanto, liberar o coração significa tornar-se aos poucos capaz de sentir e perceber esse  aspecto único da personalidade alheia e amar essa singularidade. Isso não é esse  sentimentalismo cristão açucarado pronto a tudo perdoar.

Ao contrário, trata-se de uma grande precisão do sentimento. Pessoas com um sentimento diferenciado até se chocam se você fala com elas num tom que não é genuíno ou faz um gesto falso com a mão.

Elas sentem a singularidade em você e esperam que você seja autêntico. Isso é a coisa mais importante para um terapeuta, amar a pessoa genuína do paciente e desgostar abertamente do que não é genuíno.

Isso faz vir à tona o que o indivíduo realmente é, ou o que a natureza quer que ele seja. Esse é amor verdadeiro — amor que cura e faz do outro uma pessoa inteira. Nada tem a ver com sentimentalismo, polidez ou delicadeza.

 

Marie-Louise von Franz, livro: O Caminho dos Sonhos

Fonte: C.G. Jung, o Velho Sábio

 

 

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