“A existência de um inimigo, sobre o qual se pode descarregar todas as nossas maldades, constitui um alívio para a consciência. Pode-se dizer quem é o demônio causador das perturbações. Pode-se ter certeza que o causador do desastre se localiza no exterior e não na própria atitude.” (JUNG)
O reconhecimento do mal em si mesmo é um grande passo para uma consciência mais ampliada sobre quem de fato somos na integralidade, enquanto seres humanos. A afirmação de Jung nos faz refletir sobre como lidamos com aqueles aspectos que julgamos inaceitáveis e, por vezes, relegamos à sombra.
Vamos refletir sobre nossos tempos, e como a maldade tem se manifestado, tanto nas relações pessoais quanto no âmbito social. Você já deve ter visto inúmeros filmes medievais que contextualizam a manifestação da maldade em praça pública, quando aquele que tem voz e poder de discurso induz as massas a vociferarem exclamações de ódio contra bruxas, hereges, àquele que está exposto para ser queimado, enforcado, decapitado, em um ritual que mais parece a catarse do ódio, na certeza de que a eliminação do outro será enfim um alívio para a própria consciência.
No cenário contemporâneo, percebemos que os sentimentos e desejos humanos permanecem os mesmos. Com relação ao que consideramos impróprio, e nos descaracteriza como “bons”, podemos projetar com todas as forças no inimigo, e liberar a nossa maldade com absolvição social, pois no atual contexto o inimigo passa a ser aquele que diverge das minhas opiniões, posição política, visão de mundo etc., levando as massas a se dividirem em grupos polarizados. Logo, posso descarregar a maldade em direção ao inimigo com aprovação de grupos ideológicos e certo fanatismo.
No âmbito dos relacionamentos pessoais, procuramos de “quem” é a culpa pelos nossos desastres, nos colocando em um papel de vítima, e não nos responsabilizando por quaisquer ações que possam ter nos levado a uma situação desfavorável. Podemos até metaforizar tal atitude comparando-a a infância da consciência.
Na infância da consciência, estamos menos individualizados e, por consequência, mais suscetíveis às influências coletivas. Não é por acaso que os líderes, aqueles que têm poder de persuadir as massas, devem ser dignos de inspirar valores elevados, que conduzam ao bem da coletividade.
Quanto ao reconhecimento da maldade, se faz necessário que os indivíduos estejam abertos ao autoconhecimento, levando-os ao amadurecimento da consciência. Dessa forma, nossas atitudes em relação aos outros passam a ser menos projetivas e com mais presença de espírito.
Tati Terres