Pintura: Irene Sheri
Como terapeuta de mulheres, Murdock encontrou insatisfação feminina frente ao sucesso no mercado: um senso de esterilidade, vazio, desmembramento e traição. Foram mulheres que abraçaram a jornada heroica masculina, saíram bem-sucedidas, mas exauridas e sofridas, com seus corpos e almas sacrificados.
Monick conta uma história que ouviu num seminário. Teriam perguntado a Jung qual a contrapartida da mulher à jornada do herói. Jung tragou o cachimbo longamente e disse: o sofrimento. O protótipo do sofrimento feminino é o parto, quer a mulher dê ou não à luz, diz Monick. Ele se refere ao estado de subordinação da mulher à criança dentro de si – quer real, quer simbólica – , uma disposição arquetípica especificamente feminina que não encontra equivalente no universo masculino. Acredito que, de fato, a relação homem-natureza é de grande distância quando comparada com a relação mulher-natureza por intermédio do corpo. Aquilo que no homem é sentido como corpo e natureza, com frequência é vivenciado como uma parte: o falo e seu funcionamento. Já a vivência corpórea da mulher é percebida em sua qualidade de todo, o que faz grande diferença (…)
Como terapeuta de mulheres, Murdock encontrou insatisfação feminina frente ao sucesso no mercado: um senso de esterilidade, vazio, desmembramento e traição. Foram mulheres que abraçaram a jornada heroica masculina, saíram bem-sucedidas, mas exauridas e sofridas, com seus corpos e almas sacrificados.
Desejosa de compreender as relações entre a jornada feminina e a masculina, procurou por Campbell em 1981. Sabia que os estágios da jornada da heroína tinha aspectos da jornada do herói, mas sentia que o foco do desenvolvimento espiritual feminino era a cura da cisão interna entre a mulher e sua natureza feminina. Campbell lhe disse que as mulheres não precisavam realizar a jornada, pois já estavam lá. Bastaria que se dessem conta de que são o lugar a que as pessoas querem chegar.
Profundamente insatisfeita com a resposta, Murdock reafirmou sua crença de que as mulheres têm uma busca a empreender: a aprendizagem de valorizar-se como mulheres e curar a profunda ferida do feminino. Procurou delinear o caminho da heroína: nada fácil, não há mapas, nem idade cronológica para começar; é tortuoso, raramente recebe validação externa, chegando a ser sabotado e impedido. Sua referência da jornada heroica feminina deriva em parte do modelo de Campbell. Porém, a linguagem em que é formulada é específica para as mulheres, e o desenho que a representa é um caminho circular que gira no sentido do relógio.
A autora descreve a imagem que lhe ocorreu nos seguintes termos:
(A jornada) começava com uma abrupta rejeição do feminino visto por mim como dependente, controlador e irado. O próximo passo era uma total submersão na conhecida jornada heroica no grande mundo, cheia de aliados masculinos, com vistas à independência, ao prestígio, ao dinheiro, ao poder e ao sucesso. A esse seguia-se um desorientador período de secura e desespero que desembocava em uma inevitável descida ao submundo, ao encontro do feminino sombrio.
Dessa escura sombra surgiu uma necessidade urgente de curar o que chamo de cisão mãe/filha, a profunda ferida feminina. A viagem de volta incluía uma redefinição e validação de valores femininos e uma integração deles com as habilidades masculinas aprendidas durante a primeira metade da jornada.
LIVRO: O PAI E A PSIQUE – (Alberto Pereira Lima Filho, p. 191-193)